Pesquisa pioneira sobre levantes negros
Reis é autor, entre outros, do livro que se tornou referência internacional sobre o tema, “Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835”, resultado da sua tese de doutorado em História, lançado pela primeira vez em 1986 pela editora Brasiliense e reeditada em 2003, pela Companhia das Letras.
O professor na Universidade Federal da Bahia realizou uma densa pesquisa que destacou de forma pioneira a forma como os escravizados exerciam agência sobre suas vidas e buscaram a liberdade por meio de revoltas, uma visão ainda hoje ignorada por parte da historiografia.
Outra contribuição fundamental do trabalho de João José Reis é o estudo da escravidão no ambiente urbano, onde os escravizados teriam uma certa autonomia de circulação na cidade e dinâmicas para obtenção dos recursos para a compra da alforria.
Além de inspirar diversos outros trabalhados acadêmicos, a obra de João José Reis subsidiou o roteiro escrito por Manuela Dias para o filme Malês, dirigido e estrelado por Antônio Pitanga, que estreou em 2024.
O livro inovou por destacar o importante papel exercido pelos escravizados na busca pela própria liberdade, detalhado nas estratégicas criadas em torno do levante malê.
Repressão à Revolta
A revolta foi planejada em segredo por um grupo formado por africanos escravizados e libertos, muitos muçulmanos de origem iorubá/nagô, mas também de outras religiões e outros grupos étnicos africanos, que contava com uma organização sólida e escrita própria (em árabe e em iorubá), o que evidenciava sua diversidade e sofisticação cultural.
Os combatentes buscavam reverter o poder opressor exercido por uma minoria branca contra a maioria da população que, já naquela época, era formada por pretos e pardos. No início do século 19, Salvador tinha em torno de 65 mil moradores, sendo mais de 70% de negros. Desses, cerca de 42% ainda eram escravizados, mesmo com o fim da escravidão em diversas partes do mundo.
Pegos de surpresa pela repressão policial, por conta de uma denúncia, os revoltosos tiveram que antecipar suas estratégias e lutaram bravamente contra um forte poder militar detentor de armas de fogo. Calcula-se que mais de 60 negros foram mortos e outras três dezenas, entre inocentes, foram presos e receberam punições como prisão, chibatadas, pena de morte e até o degredo de volta à África.
João José Reis destaca que a repressão que se seguiu ao levante levou o terror à população africana na cidade de Salvador, em especial à religião islâmica. Foram promulgadas leis que proibiam africanos de adquirir bens imóveis, que previam deportação em massa, que obrigavam senhores a instruir seus escravos “nos mistérios da religião cristã e batizá-los”, entre outras de semelhante teor antiafricano e criminalização da religião.
A Revolta dos Malês, ainda pouco conhecida no Brasil, é mais um dos exemplos de luta pela liberdade no Brasil e também das estratégias de resistência dos africanos e seus descendentes para reconstituir sua identidade neste país.
Neste caso, entre os diversos aspectos culturais e civilizatórios de heranças africanas, estavam em destaque a língua, a religiosidade e as formas de luta e resistência.
noticia por : UOL