Acabei de assistir ao vídeo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro convoca a militância para as manifestações de março. Dia 16. Marque na agenda. A pauta, diz ele, é “liberdade de expressão, segurança, custo de vida e fora Lula 2026”. Aí Bolsonaro acrescenta um “e anistia já”. Assim, meio no susto. Como se estivesse se esquecendo dos pobres-diabos presos e condenados a penas absurdas.

Tem um pessoal furioso. Tem um pessoal dando de ombros. Tem um pessoal rindo, porque sempre tem. E tem este cronista aqui com cara de tacho, se perguntando e perguntando a você: por que alguém sairia de casa num domingo de verão para gritar “fora Lula, mas só em 2026 – e, se não for pedir demais, será que rola uma anistiazinha aí, por favor”?

Não faz sentido nenhum. Assim como não fazem sentido as outras pautas, todas amplas e abstratas e de difícil solução. Peguemos a liberdade de expressão, por exemplo. Você haverá de lembrar que, nas últimas manifestações, Bolsonaro pediu para que não fossem levados cartazes dizendo certas coisas sobre certos ministros de certo tribunal. Que liberdade de expressão é essa?

Ou será que desta vez está permitido levantar cartazes que expressem aquilo que o cidadão tem entalado na garganta, por mais equivocado que seja o discurso? Sem falar que “liberdade de expressão” não é uma pauta capaz de mobilizar multidões. A não ser que a censura afete artistas – o que não é o caso. Bem pelo contrário.

Segurança? Ah, legal. Acredito que ninguém aqui seja contra a segurança, não é mesmo? Mas tem que ser mais ingênuo do que o mais ingênuo dentre os ingênuos para acreditar que a mobilização popular em torno da segurança pública sensibilizará as autoridades ou, sei lá, os bandidos. Se bem que acho que essa coisa da segurança só foi incluída na pauta para agradar aos bukeletes. Mas esse sou eu.

Custo de vida é outra. Posso até me surpreender no futuro próximo, mas vivi a hiperinflação dos anos 1980 e 1990 e não me recordo de megamanifestações lotando a Avenida Paulista para pedir café, picanha, laranja e azeite de oliva mais baratos. Até porque tem que ser muito tolo para acreditar que a inflação é coisa que se resolve assim, na base da canetada e da pressão popular. E o povo não é mais bobo. Dizem. Ou será que ainda é?

Resta o “fora Lula 2026”. Que, em linguagem de gente normal, significa uma defesa da permanência de Lula no poder até 2026, quando então teremos a oportunidade de, por meio de eleições livres, tirá-lo de lá. Tá, até posso concordar com isso e bater palmas para a postura aparentemente prudente de Bolsonaro. Mas, novamente: você consegue imaginar as pessoas em 2016 indo às ruas para gritar “fora Dilma, mas só em 2018! Até lá a gente aguenta o tranco”?

Claro que não! Porque manifestações populares pressupõem mudanças necessárias e urgentes. Para ontem! E mais: manifestações como as que no passado recente lotaram a Avenida Paulista são expressões catárticas e que apelam para um imediatismo típico do nosso tempo. Manifestações servem para que os poderosos “tremam nas bases”, com medo de serem apeados do poder. Já. Agora.

É impossível que Malafaia e Bolsonaro não saibam disso. O que me leva a crer que, alheios às mudanças observadas no âmago da direita, eles contam com (1) a adesão cega da militância bolsonarista, (2) a paciência de um povo cada vez mais impaciente e sobretudo com (3) um processo eleitoral limpo e justo. Posso estar enganado, sempre posso, mas contar com essas coisas todas é, na melhor das hipóteses, ignorar a realidade e o cenário adverso. É se fiar muito na possibilidade de o fenômeno Trump se repetir por aqui.

Na pior, é mero instinto de autopreservação. É cálculo político. É exaltação da própria imagem. É pregar para convertidos. É pedir que a população continue acreditando no mito do Mito. Respeito quem ainda acredita. Queria acreditar também. E sei que ainda há muita água para correr por debaixo dessa porte. Mas… tô fora.