O rearranjo da economia argentina após um ano de Javier Milei e seu plano de arrocho de despesas, além da desvalorização do real, levaram a um aumento das exportações brasileiras para o vizinho.
O volume ainda está distante de valores de anos anteriores, mas mostra uma recuperação que especialistas projetam que deve se manter. Em janeiro, as exportações do Brasil para a Argentina cresceram quase 58% na comparação anual, somando US$ 1,21 bilhão (R$ 6,9 bilhões).
A base de comparação era baixa, é verdade. Em janeiro de 2024, fruto da desvalorização do peso implementada por Milei ao assumir a Casa Rosada, as importações oriundas do Brasil somaram US$ 767 milhões (R$ 4,4 bi), o valor mais baixo desde janeiro de 2021, ainda nos resquícios da pandemia. Mas outros fatores de peso também se somam.
A posterior recuperação econômica argentina, que diminuiu em mais de 20 pontos percentuais a inflação mensal, começou a atrair investimentos e valorizou o peso (a moeda foi a mais fortalecida em 2024) e a derrubada de impostos são os principais ingredientes, afirma Maximiliano Scarlan, analista sênior da consultora local Abeceb.
“Vivemos uma etapa prévia de muita proteção comercial, mas agora se está derrubando a pressão tributária”, diz à reportagem.
A alta nas importações oriundas do Brasil, em uma balança comercial historicamente deficitária para os argentinos, levou ao maior déficit comercial dos últimos sete anos, com US$ 326 milhões (R$ 1,8 bi). Em janeiro de 2018, esse valor excedeu US$ 480 milhões (R$ 2,7 bi).
No total, o agregado do comércio em janeiro ficou próximo de US$ 2,1 bilhões (R$ 12 bi), aumento anual de 34,2%. As exportações argentinas para o Brasil giraram em torno de US$ 88 milhões (R$ 5,1 bi), em um aumento anual de 11,3%, tímido em comparação com o das importações.
O aumento nos produtos que provêm do Brasil se explica fundamentalmente pelo saldo no setor automotor, a joia da balança bilateral. Houve acréscimo de 57%. E as perspectivas são boas: em janeiro, o governo Milei reduziu impostos para carros de luxo e derrubou a taxação para carros elétricos de baixo custo, projetando que o valor desses bens caia entre 15% e 20% e que haja mais compra de peças no exterior.
Em seu mais recente informe sobre o tema, a Abeceb projeta que o déficit bilateral entre os países cresça significativamente e se aproxime de US$ 4 bilhões (R$ 23 bi) neste ano, dado que, segundo a consultoria, é provável que as importações do Brasil cresçam ao menos 30%.
Ainda assim, diz Maximiliano Scarlan, da Abeceb, o Brasil ainda tem e terá, cada vez mais, um desafio significativo na China, gigante para o qual a Argentina está mais aberta e no qual os produtos brasileiros encontram um forte competidor.
Javier Milei pode ter insultado o regime chinês e o presidente Lula (PT) durante sua campanha à Presidência, mas, uma vez no cargo, ele não causou mal-estar nas relações comerciais com China e Brasil.
Para alavancar as exportações argentinas no Brasil, os interlocutores envolvidos esperam que o setor do gás natural argentino deslanche. Nesse sentido, em novembro passado os dois países assinaram um memorando que poderia dar início ao fluxo a partir deste ano.
Interlocutores diplomáticos projetam que as exportações tenham início no segundo semestre, e numa análise otimista fala-se em valores que cheguem, no pico, a 2 milhões ou 3 milhões de metros cúbicos por dia.
O fluxo seria feito por meio da Bolívia após em novembro ser assinado o primeiro contrato para usar a ampla rede de gasodutos boliviana do Gasbol para exportar o produto da Argentina para o Brasil.
Em dezembro, ao participar da cúpula do Mercosul no Uruguai, o presidente boliviano, Luis Arce, disse à reportagem que há toda a disponibilidade e vontade em ampliar os contratos na área.
Muitos desafios ainda se impõem para dar tração ao fluxo, porém.
Primeiro, o fato de que, ainda que tenha reservas mapeadas de gás que atendem ao consumo doméstico de até três gerações, a Argentina não tem infraestrutura para escoar o produto, e o governo Milei já afirmou que não haverá verba pública, relegando ao setor privado a iniciativa.
Há expectativa de que a aprovação do Rigi, regime de incentivos a grandes investimentos aprovado pelo Congresso no ano passado, possa atrair empresas estrangeiras para atuar na rede de gasodutos.
Segundo, o fato de que, como consome muito gás no inverno (junho a setembro), a Argentina tende a diminuir suas exportações. Seja como for, os dois países esperam que, nos próximos anos, o aumento nas exportações de gás possa dinamizar e equalizar a balança.
noticia por : UOL