O setor de seguros decidiu questionar na Justiça a obrigatoriedade de investir em crédito de carbono. Nesta segunda-feira, a CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) pedindo liminar para declarar a inconstitucionalidade do artigo 56 da lei nº 15.042/2024, que regulamenta o mercado de crédito de carbono no Brasil.
Nessa mesma lei, as seguradoras estão no grupo de empresas consideradas voluntárias em caso de aquisição de crédito de carbono, pois a atividade tem emissões residuais. Ainda assim, o artigo em questão, inserido de última hora na votação, obriga que elas invistam em crédito de carbono 0,5% da chamada reserva técnica.
A reserva técnica equivale ao capital acumulado para que essas empresas possam cumprir suas obrigações com os segurados —o pagamento de sinistros e benefícios, incluindo previdenciários. O mercado estima que de R$ 7 bilhões a R$ 9 bilhões ficarão comprometidos caso o setor cumpra a determinação.
Em nota, a CNseg destacou que as empresas de seguro entendem a importância da lei e do mercado de carbono como instrumento para conter as emissões e limitar o aquecimento do planeta. O setor trabalha no projeto de criação de um auxílio imediato à população afetada por chuvas e enchentes e implementou políticas para a redução de gases de efeito estufa. Também defende a emissão de green bonds [títulos verdes].
Mas argumenta que a determinação do artigo 56 não faz sentido econômico para o setor e ainda cria vários problemas.
O mercado de carbono não está em Bolsa. Depende de operações de balcão entre entes privados. O volume negociado é ainda pequeno, na casa de R$ 1 bilhão. O valor do crédito, por sua vez, não tem padrão e varia de acordo com o local e o tipo de projeto. A metodologia de certificação ainda não é padronizada.
Algumas consultorias estimam que, em 2030, o mercado pode chegar a US$ 1,5 bilhão, que seria equivalente aos R$ 9 bilhões. Ou seja, mesmo em 2030 e com todas essas projeções de crescimento, só o setor segurador seria 100% do volume total desse mercado de carbono.
O entendimento do setor é que o ingresso das seguradoras, com demanda muito acima da oferta, poderia, inclusive, alimentar a especulação e levar ao aumento artificial do preço, prejudicando empresas que são obrigadas a comprar créditos para compensar as emissões. Em suma, o problema de precificação e de transparência das negociações ainda é muito crítico.
A entidade destaca ainda que, diferentemente de outros ativos, o crédito de carbono perde valor ao longo do tempo. Um crédito de carbono de dez anos vale muito menos do que um crédito de carbono emitido há um ano. Depois de um tempo, as empresas não teriam como saber se os R$ 9 bilhões em créditos de carbono realmente valem R$ 9 bilhões.
Nesse aspecto, o setor entende que não é razoável financeiramente colocar bilhões da reserva técnica, que é a fonte para pagar segurados no longo prazo, nesse tipo de produto. Percebem até um risco para a atividade.
As seguradoras e seus executivos precisam prestar contas à Susep (Superintendência de Seguros Privados) e à CVM (Conselho Monetário Nacional). Seus investimentos seguem regras rígidas e os seus dirigentes sofrem penalidades sérias, de multa a inabilitação, se não cumprirem essas regras.
A análise é que seria prudente esperar o amadurecimento do mercado. O Ministério da Fazenda estima que a preparação de todo o arcabouço para formalizar o mercado de carbono só vai ficar pronta em 2030. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) também vai demandar tempo para regulamentar todas as regras.
Na ADI, os argumentos jurídicos para retirar o artigo incluem ainda questões técnicas. Defende que a Constituição prevê que a regulação do setor de seguros deve ser feita por lei complementar e não por lei ordinária, caso da 15.042. Argumenta ainda que o artigo 56 fere os princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência e a liberdade econômica.
A lei 15.042 foi aprovada no Congresso em novembro do ano passado. Em linhas gerais, além de criar o mercado de carbono, dá poderes para a União estabelecer limites para a emissão de gases de efeito estufa. O objetivo principal do texto é obrigar empresas que poluem acima de determinado patamar a pagar por isso —incentivando que elas se tornem mais sustentáveis.
Cerca de 75 estados e províncias no mundo já operam com o mercado de carbono ou imposto sobre as emissões —que, juntos, movimentaram globalmente mais de US$ 100 bilhões em 2023, segundo o Banco Mundial.
noticia por : UOL