O Autismo é real e não modismo

RAPHAEL G.C. ALVES

É fato que cada vez mais ouvimos falar sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta principalmente a comunicação e a interação social. A impressão da população geral é de que, atualmente, há uma “epidemia” de diagnósticos. Por um lado, alguns acreditam que há uma banalização do transtorno e
que vem sendo tratado como modismo, enquanto outras consideram que o estilo de vida contemporâneo pode estar causando esse aumento drástico de casos. Mas, como profissional que atua com essa população, me pergunto se esse aumento nos diagnósticos deve ser encarado como algo a ser combatido.

Segundo o relatório de 2023 do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, 1 em cada 36 crianças é diagnosticada com autismo. Um dado que causou espanto na população mundial e reacendeu discussões já superadas, como a suposta ligação entre vacinas e autismo, recentemente impulsionada por Robert Kennedy Jr., secretário de Saúde de Trump, apesar das inúmeras evidências científicas que comprovam a inexistência de relação causal entre vacinas e o autismo, sendo este, em grande parte, causado por fatores genéticos. No Brasil, entretanto, ainda não há dados oficiais sobre a prevalência de autismo na população, por enquanto há apenas estimativas e pesquisas em andamento.

Pesquisadores e profissionais que atuam na área apontam que o aumento no número de diagnósticos se deve a diferentes fatores. Entre esses, destacam-se a maior conscientização sobre o transtorno, o acesso mais amplo à informação por meios como a internet e a melhoria nos métodos diagnósticos, principalmente se tratando da identificação precoce em meninas e em mulheres adultas. Além disso, a ampliação do conceito de autismo também contribuiu para esse aumento: o conceito passou a englobar uma gama mais ampla de características, permitindo que mais pessoas, antes não diagnosticadas, fossem identificadas como parte do espectro.

Pergunte a um familiar mais velho, como seus pais ou avós, com quantas pessoas autistas eles conviveram na escola, no trabalho ou na família. É muito improvável que consigam se lembrar de alguém. Agora, mude a pergunta e questione com quantas pessoas eles conviveram que tinham sérias dificuldades de interação social, de comunicação interpessoal, ou que apresentavam interesses muito intensos e eram vistas apenas como pessoas “excêntricas” ou “esquisitas”.

Os autistas sempre existiram, sempre estiveram entre as pessoas, desafiando suas próprias dificuldades para conseguir se inserir em ambientes sociais: forçando sorrisos, abafando seus interesses, resistindo a alterações sensoriais, como barulhos desagradáveis, sofrendo em silêncio e lidando com o impacto de tudo isso na sua saúde mental. Adaptar-se a um mundo feito para pessoas neurotípicas é um relato muito comum de indivíduos neurodivergentes, como os autistas. Porém, décadas atrás, essa situação era ainda mais difícil, e o aumento no número de diagnósticos nos mostra o quanto ainda precisamos
melhorar como sociedade.

Apesar de muitas conquistas recentes, o estigma social persiste, sustentado por estereótipos que retratam o autista como uma eterna criança ou um gênio excêntrico, desconsiderando as diferenças individuais e a pluralidade de experiências dentro do espectro. Esse olhar limitado contribui para a exclusão em diversos contextos sociais, como na educação, onde, apesar da legislação garantir o direito à inclusão, muitas escolas ainda carecem de estrutura, formação docente e recursos pedagógicos que permitam uma inclusão efetiva e respeitosa.

Essa falta de preparo também é evidente no mercado de trabalho, onde a ausência de políticas específicas para pessoas autistas dificulta o acesso e a permanência nesse ambiente. É necessário que os empregadores reconheçam a capacidade produtiva dessa população e promovam adaptações nos modelos e jornadas de trabalho, tornando-os mais acessíveis e inclusivos. Além disso, a falta de serviços públicos especializados no SUS agrava ainda mais a situação, obrigando muitas famílias a recorrerem à saúde suplementar com valores elevados para garantir diagnóstico e tratamento, o que gera desigualdade de acesso. Esses fatores revelam a urgência de uma mudança estrutural e cultural para que a inclusão da pessoa autista seja de fato uma realidade.

A atual discussão sobre o número crescente de casos de autismo é positiva na medida que nos mostra não apenas uma maior conscientização sobre essa condição, mas também a falha persistente da sociedade em promover condições de inclusão dessa população. Apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para garantir uma inclusão verdadeira e respeitosa, tanto em espaços educacionais quanto no mercado de trabalho e na saúde. Uma mudança política e cultural profunda é essencial para que o autismo deixe de ser visto como um obstáculo e passe a ser reconhecido como parte da diversidade
humana, exigindo de todos nós mais acolhimento e compreensão.

Raphael G. C. Alves é professor e psicólogo (CRP 18/04639) de crianças e adolescentes autistas e com outras neurodivergências.

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FONTE : ReporterMT

1 de abril de 2025 7:16

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