“Tim, tim, tim. Ta, ta, ta. Esse guerreiro é de moça, mestre tem que respeitar”. A música entoada por mestra Margarida eterniza seu pioneirismo na cultura popular do Cariri cearense. Foi aos 15 anos, em 1953, que ela criou o grupo Guerreiro Santa Joana D’Arc, o primeiro formado por mulheres na região.
Ainda muito nova, abriu caminhos para mulheres na cultura popular. Não era de levantar bandeiras, mas foi revolucionária. “Ela se impunha pela própria existência. Se hoje nós temos mulheres no Juazeiro do Norte brincando guerreiro e reisado é porque por muitos anos uma senhora abriu esse lugar para nós”, diz a artista Maria Gomide, 40, contra-mestre do grupo.
Os guerreiros são autos natalinos que surgiram em Alagoas no século 20 e se assemelham aos reisados. Assim como o folguedo, Maria Margarida da Conceição também era alagoana, nasceu em Maceió, em 1935. Dizia ser cearense de coração, pois chegou ao estado com 7 anos. A mudança da família romeira foi motivada pela devoção ao Padre Cícero.
No Ceará, a menina deu seus primeiros passos nos grupos de mestre Amaro e mestra Agada, onde começou a cantar.
Margarida se casou aos 16 anos com Enoque Dias da Silva e teve 18 filhos (11 biológicos e 7 adotivos), que lhe deram muitos netos. “Eu não sou neto de sangue, mas sou de coração. Tive a oportunidade de assumir o guerreiro dela e ter vivências de aprendizado com ela”, diz Nando Guerreiro, 36.
Durante a vida, além de cuidar de todos, a matriarca também foi cacimbeira, quando ajudava o pai na escavação de cacimbas de água, costureira, lavadeira, parteira e benzedeira.
Margá, como era chamada pelos íntimos, tinha uma personalidade tinhosa —no bom “cearês”. Era dura como a vida foi com ela, pois perdeu muitos filhos e marido cedo. Mas cantar era a sua alegria.
“A voz dela era surpreendente, fora do comum enquanto potência. Era uma voz muito alta, cantava e a gente escutava do outro lado do quarteirão. Tinha uma extensão vocal impressionante, conseguia alcançar três oitavas com tranquilidade”, afirma Gomide.
Em 2004, Margarida Guerreiro se tornou “Tesouro Vivo da Cultura do Estado do Ceará”. Também tinha o título de notório saber da Universidade Federal do Ceará. Seu talento está eternizado em três álbuns lançados pela companhia Carroça de Mamulengos, disponíveis nas plataformas de áudio.
Os últimos anos da brincante não foram tão alegres como suas folias de reis. Morava em um abrigo de idosos e tinha a saúde debilitada. Morreu no dia 7 de março, aos 89 anos, por complicações de pneumonia agravada pela recusa em se alimentar.
Deixa três filhas, seis netos e cinco bisnetos. Também fica seu guerreiro e dois discípulos formados, mestre Galego e mestra Lúcia, sua filha de criação.
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