Lady Gaga sela retomada do verde e amarelo pelos transviados no Brasil

Nos telões, vemos a imagem de Lady Gaga espelhada. Do lado direito, roupa clara e ar puro. Do lado esquerdo, rosto encoberto sugerindo mistério e terror. As duas declamam, em sincronia, um texto sobre dualidade, construção de identidade. Mais especificamente sobre a luta interna entre a personagem da direita e a da esquerda, identificada como a Mestra do Caos —ou “Mayhem”, nome do novo disco da cantora. As duas faces da mesma artista.

O vídeo abriu —às 22h10, com 25 minutos de atraso— o show de Lady Gaga na Praia de Copacabana neste sábado, anunciando a espinha dorsal da grande ópera-pop sombria e exuberante que seria encenada ao longo das duas horas seguintes. Uma orla lotada de centenas de milhares de “little monsters” —como são conhecidos os fãs da cantora— pôde assistir uma saga atravessada por angústias pessoais e doenças da sociedade contemporânea, como o culto às celebridades e a projeção de ideias irreais de perfeição.

A narrativa é amarrada à perfeição, música e visual, afirmando que a artista tem o tamanho de uma Copacabana tomada de gente. Os músicos se integram cenicamente ao espetáculo —teclados e bateria são monumentais como a catedral que o cenário simula. Em “Killah”, a própria cantora espanca uma bateria desconstruída, com cada bailarino segurando uma peça. Já em “Die with a Smile”, ela toca um piano adornado com caveiras.

É inegável a prevalência do visual sobre o musical —como em todo espetáculo pop desse porte. Mas o repertório de hits com melodias sedutoras e temática deslocada é o que sustenta a estrutura de pé. As canções funcionam como trilha sonora da narrativa que se desenrola ali, e os arranjos —em maior ou menor grau diferentes dos originais ouvidos nos discos— reforçam a dramaticidade.

O script preciso foi interrompido apenas num momento, mas por uma boa causa. Quando ela estendeu a bandeira do Brasil numa sacada do cenário e, com a ajuda de um tradutor, fez um longo discurso declarando seu amor pelo Brasil. Comparou o povo à lua que brilha sobre o mar de Copacabana e agradeceu com lágrimas nos olhos. “De todas as coisas que eu poderia agradecer a que mais me toca é que vocês esperaram por mim mais de dez anos. Talvez vocês estejam se perguntando porque demorei tanto. Eu estava me curando para voltar quando estivesse pronta. Brasil, eu estou pronta!”

Dividido em atos, o espetáculo tem uma primeira parte marcada pelo visual gótico e burlesco e também pela simbologia cristã nos versos. Culpa, santidade, traição e sacrifício aparecem nas letras de canções como “Garden of Eden”, “Judas” e “Bloody Mary” —as três do álbum “Born this Way”, de 2011. Fogo, vermelho, preto, plumas colorem o cenário de colunas numa explosão visual e sonora sem pausas que arrebata o público —leques e mãos para o ar.

É aí também que aparece pela primeira vez “Abracadabra”, hit de seu trabalho mais recente. Nesse momento, ela faz o primeiro aceno aos fãs brasileiros, com uma mudança de figurino repentina que revela um vestido nas cores da bandeira do país. “Brasil!”, ela repete várias vezes. “Senti muito a falta de vocês”, ela disse já com novo figurino. “Vocês estão prontos para esta noite?”.

Cerca de uma hora depois, vestida com uma farda verde e amarela, ela foi cercada por bailarinos com a camisa da seleção brasileira —reafirmando a reconquista definitiva do uniforme pelos transgressores, como Madonna havia feito um ano antes.

“Abracadabra” pontua o show em diferentes versões, como que marcando a temperatura e as transformações de cada momento da trajetória de autoconhecimento e batalhas internas. Uma trajetória que inclui uma partida de xadrez entre as duas faces de Gaga, com ela e os bailarinos numa coreografia sobre um tabuleiro, simulando peças —e a vitória da Rainha do Caos.

O enterro da Gaga derrotada numa enorme caixa de areia no palco marca o início do segundo ato, que traz mais canções de “Mayhem”, como “Perfect Celebrity” e “Disease”. A cantora conduz a plateia pelo caminho lento da ressurreição. Impressiona como o show faz isso em transições que decorrem naturalmente, a despeito da opulência visual única de cada canção.

Há algo na que o público brasileiro pode reconhecer como familiar, de uma estética carnavalesca. O baile com esqueletos de “Zombieboy”, por exemplo, já no terceiro ato, não faria feio como comissão de frente do Grupo Especial. Uma coincidência que talvez revele mais dos caminhos do Carnaval do que da estética pop contemporânea.

O quarto ato é o mais evidentemente romântico, com a personagem de Gaga alcançando a redenção pelo amor em canções como “Blade of Grass” e “Shallow”. Esta foi precedida por nova declaração ao Brasil, com frases como “a primeira vez em que estive aqui nos tornamos amigos, agora somos uma família”. Também é nessa a parte do show que ela inclui o hino de afirmação “Born this Way” e “Vanish into You”, dedicada aos “superfãs, aos ‘little monsters'”.

Foi exatamente com “Vanish into You” que a cantora encerrou o show, indo até a grade para loucura da fila do gargarejo. O bis veio depois de alguns minutos, com “Bad Romance”, timidamente antecipada pela plateia. A canção, sozinha, marcou o último ato, no qual Gaga, empunhando suas garras, se levantou da maca onde havia sido dada como morta.

“Monstros nunca morrem”, diz a voz em off. Síntese do manifesto pelo monstruoso —o estranho, o fora de padrão, o cruzamento inusual de arte conceitual e pista de dança— que ela soube afirmar no universo do pop. E que, no gigantismo da orla de Copacabana, ganhou ares de, como ela própria definiu, histórico.

noticia por : UOL

4 de maio de 2025 5:13

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