Selfies, curtidas e pouco decoro: conheça o novo Senado Federal

A influenciadora digital Virgínia Fonseca foi convocada para a CPI das Bets, no Senado, para tratar de um assunto grave: a proliferação das casas de apostas virtuais que abusam da boa-fé das pessoas e promovem o vício em apostas.

Mas o senador Cleiton Gontijo de Azevedo, conhecido como Cleitinho (Republicanos-MG), tinha outras prioridades. 

Em vez de interrogá-la, ele pediu para que Virgínia fizesse um vídeo para sua esposa. 

No meio da reunião, ele se levantou da cadeira e caminhou até Virgínia. “Aqui ó, manda um abraço para a Amanda e para a Laisa”, ele disse. Virgínia colaborou, sorridente. As notas taquigráficas do Senado registram também o agradecimento de Cleitinho: “É nóis!”. 

A fala pode ter reverberado mal nos corredores da Casa, mas repercutiu na internet. 

Cleitinho é uma das caras do novo Senado. Cada vez mais, a Casa tem deixado de ser um espaço para os políticos mais experientes e menos exibicionistas. Para o bem ou para o mal, já não é um Senado repleto de cabeças brancas com uma longa trajetória política.  

Quem é Cleitinho 

O senador Cleitinho tem 2,5 milhões de seguidores no Instagram. Lá, ele publica vídeos em que — invariavelmente usando camisas de times de futebol — atua como uma espécie de fiscal do povo.

O currículo de Cleitinho é modesto: dois anos como vereador em Divinópolis (MG) e quatro anos como deputado estadual em Minas Gerais antes de ser eleito senador, em 2022. 

Cleitinho não está só. 

Na mesma sessão em que Virgínia compareceu ao Senado, o ex-apresentador de TV Jorge Kajuru (PSB-GO) também chamou a atenção. Ele não fez uma pergunta sequer a Virgínia, mas falou por 16 minutos.

Em uma sequência na qual mencionou o cantor Leonardo, sogro de Virgínia, e o apresentador José Luiz Datena, além de dizer que a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MT) é sua amiga a ponto “de me levar para dormir e dar remédio”, o parlamentar aproveitou para reclamar do salário de senador

“Eu não estava suportando viver com o meu salário aqui no Senado mais”, disse ele, ao explicar por que voltou a ter um programa na televisão. 

O salário de um senador é de R$ 43,4 mil, fora os benefícios. 

Mudança de perfil é recente 

Senado tem a mesma raiz de “sênior”. Já na Roma antiga, era uma casa legislativa dos mais velhos. Até pouco tempo atrás, o Senado abrigava figuras com ampla experiência política. Buscar um cargo de senador era um caminho comum para governadores em fim de mandato, por exemplo. 

Em 2011, a Casa chegou a ter ex-presidentes da República ao mesmo tempo — José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco. 

Para o bem ou para o mal, esse perfil tem mudado. 

Algumas das figuras mais estridentes do Senado atual— Cleitinho, Damares Alves (Republicanos-DF), Jorge Seif (PL-SC), Marcos do Val (Podemos-ES) e Leila do Vôlei (PDT-DF) — têm algo em comum: nunca haviam ocupado um cargo eletivo na vida.

Jorge Seif havia sido ministro da Secretaria da Pesca durante o governo Bolsonaro. Embora seja carioca, ele se elegeu por Santa Catarina. 

Leila do Vôlei, ou Leila Barros, tinha no currículo o cargo de Secretária de Esportes do Distrito Federal. E só.

Marcos do Val era conhecido como o “brasileiro da SWAT”.

O time dos senadores sem grande bagagem política também tem outros nomes. 

Romário (PL-RJ) chegou ao posto depois de apenas um mandato na Câmara, e era mais conhecido como ex-jogador do que como político. Jorge Kajuru, por sua vez, tinha sido apenas vereador em Goiânia até ser eleito para o Senado em 2022.

A “popularização” do Senado tem mudado as regras de convivência da Casa e incomodado os parlamentares mais antigos. “Vossa Excelência” vai dando espaço a “você”. As falas ponderadas dão lugar à provocação. A qualidade legislativa nem sempre acompanha a intensidade da retórica. 

É um fenômeno que já vinha acontecendo na Câmara pelo menos desde 2010, quando os brasileiros elegeram Tiririca, o cantor Sérgio Reis e o ex-goleiro Danrlei. 

O Senado parecia estar imune a esse processo. Não mais.  

Influência de Bolsonaro ajudou novatos 

O cientista político e professor Carlos Ranulfo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acredita que a chegada de políticos neófitos ao Senado tem ligação com uma pessoa em especial: Jair Bolsonaro. 

Foi graças à popularidade dele que alguns nomes sem passado expressivo na política — como o ex-astronauta Marcos Pontes — conseguiram pular etapas e chegar direto à casa mais alta do legislativo. 

“Houve uma grande eleição de nomes indicados pelo Bolsonaro, pelo Jair Bolsonaro. Esse foi o passaporte: Bolsonaro carregou o seu prestígio para vários nomes em 2022”. 

A mudança no perfil do Senado também tem outra explicação: a importância crescente que as redes sociais ganharam no debate político. Por causa delas, se tornou viável chegar ao Senado sem ter passado por outros cargos eletivos. 

“No mundo da internet e das redes sociais, a política ganha ares de espetáculo e de construção de teorias da conspiração, perdendo a conexão com a vida vivida. O que se expõe hoje é rapidamente esquecido e superado pela exibição de amanhã”, analisa Rogério Baptistini, professor de Sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Para o cientista político Márcio Coimbra, CEO da Casa Política e presidente-executivo do Instituto Monitor da Democracia, o eleitor não mudou. O que mudou foi o tipo de candidato concorrendo ao Senado. “Tradicionalmente os candidatos ao Senado são mais selecionados porque são poucos. Fica mais difícil para o eleitor escolher um nome que esteja completamente alinhado consigo”, ele diz, acrescentando que, com o crescimento da polarização, têm surgido candidatos que “conseguem falar diretamente ao coração do eleitor”.

Senado tem papel revisor 

Os senadores têm funções diferentes dos deputados federais. Eles representam os seus Estados (e não diretamente o seu eleitor). O mandato de oito anos é outro diferencial. Em tese, ele também dá mais tranquilidade para que os senadores atuem tendo em vista o longo prazo e sirvam como uma espécie de contrapeso a ondas passageiras. O Senado também é conhecido como uma casa revisora, que corrige excessos e aprimora o trabalho legislativo da Câmara dos Deputados.

“É uma casa com políticos mais experientes e carreira mais longa, e isso é bom. É uma qualidade da política. Pelo menos em tese, o Senado tem um debate mais curado, em que se examinam as coisas com mais cautela”, afirma Ranulfo.

Mas, para Baptistini, o eleitor talvez não tenha ciência dessas distinções. “É provável que ele utilize lógicas semelhantes para escolher representantes para a Câmara e o Senado — e também para as Câmaras de Vereadores”, diz. Ele afirma que hoje a retórica agressiva se impõe sobre a racionalidade e a busca pelo bem comum, “E a responsabilidade não é exclusiva dos eleitores, mas dos partidos que apresentam candidatos e exploram a antipolítica, deixando de cumprir uma função pedagógica verdadeiramente democrática”.

Márcio Coimbra lembra que, em 2026, dois terços do Senado serão renovados. Com duas vagas em disputa em cada unidade da federação, aumentam as chances de outros políticos de primeira viagem obterem um assento na Casa. “Nós vamos ver mudar a face do Senado, porque provavelmente muitos nomes de caráter muito popular devem ser eleitos na esteira de Bolsonaro de um lado e de Lula do outro”, ele diz.

VEJA TAMBÉM:

noticia por : Gazeta do Povo

21 de maio de 2025 2:40

Ouvir Shalom News

LEIA MAIS

WP Radio
WP Radio
OFFLINE LIVE