Por que a campanha pró-Janja virou um “ploblema”

A ilustração estilizada — inspirada em retratos de personalidades da esquerda como Che Guevara, Marielle Franco e o próprio Lula — não deixa dúvidas. Tentaram vender Janja como um símbolo de “resistência” na campanha digital relâmpago para reabilitar sua imagem, lançada pelo PT no último dia 22. 

“Relâmpago” porque a mobilização naufragou tão rápido que não teve tempo nem de morrer na praia. E o que deveria ser uma demonstração de apoio ao governo virou munição para a oposição, além de um problema adicional para Lula. 

Ou “ploblema”, como a primeira-dama, que se identifica como “socióloga com MBA”, costuma dizer em entrevistas — sua coleção de lapsos linguísticos também inclui “abrido”, “cidadões”, “inresponsável”, “proibí” (em vez de “proibir”) e “faraona” (referindo-se ao feminino de “faraó”), sem contar os frequentes erros de concordância verbal. 

O insucesso da ação para emplacar a hashtag #EstouComJanja ressaltou as fragilidades da comunicação da esquerda, as divisões internas do governo e a dificuldade do presidente em gerenciar a atuação controversa da própria mulher (uma pesquisa realizada em março pelo instituto PoderData mostrou que metade dos eleitores que conhecem o nome da primeira-dama desaprovam seu protagonismo).

Socorro institucional

Já desgastada, a imagem de Rosângela Lula da Silva sofreu um abalo ainda maior depois que ela quebrou o protocolo diplomático e defendeu a regulamentação da rede social chinesa TikTok diante do ditador Xi Jinping, durante um jantar em Pequim, no dia 13 de maio. 

De volta ao Brasil, Janja dobrou a aposta . Afirmou, em tom desafiador, ao discursar num evento do Ministério dos Direitos Humanos, que protocolo nenhuma a faria se calar. Dias depois, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, defendeu a adoção do modelo de controle e repressão da China.

“Lá tem toda uma regulamentação. E, se não seguir a regra, tem prisão. Por que é tão difícil a gente falar disso aqui?”, disse, elogiando a ditadura chinesa e sendo imediatamente associada pela oposição a uma postura de autoritarismo e cerceamento da liberdade de expressão.

A Secretaria Nacional de Mulheres do PT emitiu uma nota de apoio a Janja, dando um sinal de que o socorro institucional viria do partido — e não da Secretaria de Comunicação Social do Planalto (Secom), como poderia se esperar. 

Sidônio x Janja

Explica-se: desde sua ascensão ao cargo de ministro-chefe da Secom, o publicitário Sidônio Palmeira tem trabalhado para afastar aliados da primeira-dama, numa tentativa (mesmo que cosmética) de proteger o presidente e seguir sem atropelos sua agenda de preparação para a campanha de 2026.

Ele foi o responsável, por exemplo, pela demissão da socióloga Brunna Rosa da chefia da Secretaria de Estratégias e Redes do Planalto. Figura próxima de Janja, Brunna coordenou a comunicação digital de Lula na eleição de 2022, mas ganhou o bilhete azul logo no primeiro dia de trabalho do publicitário, em janeiro deste ano.

Palmeira também esteve por trás do desligamento da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, outra integrante do círculo de confiança da primeira-dama. Há quem diga, inclusive, que Cida foi escolhida para liderar a pasta, no início do governo, devido a seu perfil discreto, incapaz de ofuscar o protagonismo da socióloga no tocante à defesa das causas femininas. 

“Submundo das fake news” 

Segundo a nota da ala das mulheres petistas, há uma campanha em curso para “alimentar o submundo das fake news em torno de Janja Lula da Silva”. E quem a orquestra é a “grande imprensa”, que “distorce fatos com o objetivo de macular a imagem da primeira-dama”. 

O texto ainda recorre à carta que a própria Janja sempre tira da manga para se defender: a do preconceito de gênero. “Entendemos que o machismo e a misoginia, infelizmente, rendem cliques e audiência para alguns veículos e portais.” 

Em seguida, veio o lançamento da hashtag #EstouComJanja, dessa vez puxada oficialmente pelo PT — e articulada, dizem nos bastidores, pela ministra Gleisi Hoffmann e o senador Humberto Costa (PE). O deputado federal Lindbergh Farias (RJ) e o advogado-geral da União, Jorge Messias, também participam desse núcleo duro, segundo fontes internas da legenda.

Detalhe do material da campanha #EstouComJanja: tentativa de transformar a primeira-dama num símbolo de resistência.Detalhe da arte da campanha #EstouComJanja: tentativa de transformar a primeira-dama num símbolo de resistência (Foto: Reprodução/Instagram @GleisiHoffmann)

Mobilização “flopada” 

Além da estética forçada, que buscava transformar Janja numa espécie de ícone martirizado de luta, a campanha petista a posicionava como a porta-voz de uma cruzada por “um ambiente digital mais seguro, especialmente para mulheres, crianças e adolescentes, as maiores vítimas dos crimes virtuais”.

A mensagem, no entanto, não empolgou. Nem os já convertidos da bolha militante foram solidários à mulher do presidente. 

Nos três dias seguintes ao lançamento, a hashtag não atingiu os Trending Topics (assuntos mais comentados) do X. E acumulou menos de 43 mil menções nas principais redes sociais (enquanto campanhas similares de sucesso alcançam cerca de 100 mil em 24 horas). Nesse mesmo período, o perfil da primeira-dama registrou perda de seguidores — e o do PT, queda no engajamento. 

Já no outro polo ideológico, o nome de Janja explodiu em citações (negativas, claro). Políticos como Nikolas Ferreira, Kim Kataguiri e os membros da família Bolsonaro exploraram a situação, conectando a socióloga à censura, à ditadura e à falta de legitimidade democrática. Nos grupos de WhatsApp e Telegram, a mobilização “flopada” (fracassada) também foi alvo de ridicularização e tema de memes. 

“Hashtag de gabinete” 

Comentarista político do programa “Entrelinhas”, exibido no canal da Gazeta do Povo no YouTube, o advogado Frederico Junkert explica a bem-sucedida mobilização de perfis da direita ao rebater a campanha pró-Janja — em contraste com o esforço petista. 

“As mensagens têm maior capacidade de mobilização quando tocam em dores reais do público, de forma direta, didática e no momento certo”, diz, citando ainda a artificialidade das chamadas “hashtags de gabinete”. “Elas costumam sofrer de um vício elementar: a falta de legitimidade junto ao público.” 

Para Junkert, nem os maiores esforços conseguem impulsionar conteúdos que não encontram “ressonância social”. “É o que ocorre, por exemplo, quando o discurso político defende modelos ultrapassados de contratação de mão de obra em plena Economia 4.0”, afirma. 

A mesma lógica vale, segundo ele, para a previsível tática feminista de defesa utilizada pela primeira-dama. “Ao recorrer a essas justificativas, Janja reforça as pautas identitárias do PT, mas não consegue suavizar sua imagem perante o público em geral. O grande público tende a avaliar comportamentos segundo o teor das atitudes, e não por filtros ideológicos alheios ao assunto em discussão.”  

Vale lembrar que o fracasso da mobilização para reverter a imagem negativa de Janja acontece num contexto em que a Advocacia-Geral da União já busca a remoção de conteúdos supostamente falsos sobre ela — e o próprio PT considera acionar juridicamente quem a questiona. Diante desse quadro, o advogado avalia o risco de judicialização das críticas à primeira-dama.

“Infelizmente, há esse risco. Inclusive, já se viu o uso de aparato estatal para constranger críticos. Não é justificável que estruturas estatais sejam usadas para proteger interesses privados ou interferir no debate público”, diz. 

Um partido, várias ideologias 

Adriane Buarque de Holanda, professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e pesquisadora de comunicação política e internet, atribui o baixo desempenho da campanha #EstouComJanja ao que chama de “falta de alinhamento estratégico”. 

Segundo Adriane, a mobilização foi orgânica, sem o impulsionamento pago de posts. Ou seja: não havia a garantia de que os algoritmos das redes sociais “entregariam” o conteúdo para um grande contingente de usuários. 

Por isso, ela explica, a ação do PT carecia de um envolvimento prévio do público. “É preciso chamar a atenção, educar as pessoas [sobre o assunto] antes de soltar a hasthtag”, diz, referindo-se ao debate sobre segurança digital, levantado pela primeira-dama. 

Questionada se a relutância de certos setores do PT em tratar Janja como liderança teria atrapalhado o andamento da campanha, a professora afirma que todos as legendas têm divisões, porém destaca uma particularidade dos petistas. “Já estudei muito o PT e entendi que ali existem ideologias dentro das divisões. E aí depende de como essas ideologias tratam não só a questão do apoio a Janja como líder, mas o apoio ao próprio governo Lula”, afirma.

noticia por : Gazeta do Povo

30 de maio de 2025 1:57

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