Há quem não defenda o fim do aumento real, mas peça desvinculação dos benefícios previdenciários e sociais. Traduzindo: aposentados, pensionistas, idosos e pessoas com deficiência em situação de miséria teriam reajuste menor no valor pago mensalmente em comparação aos da ativa. Com o passar dos anos, a situação distanciaria o seu valor do mínimo salário vigente. O que não é um problema porque, como sabemos, pobre, uma vez pressionado, passa a realizar fotossíntese.
Já disse aqui um rosário de vezes que apenas cortar privilégios dos mais ricos não vai resolver o problema. E talvez medidas duras precisem ser tomadas. Mas começar o ajuste pelos mais pobres, de novo, ignorando o andar de cima, é uma tremenda de uma sacanagem.
Enquanto isso, categorias se beneficiam de condições especiais para se aposentar (como os militares), a arrecadação sangra através de fraudes trabalhistas (como terceirização e pejotização ilegais) e a falta de regulação das plataformas de motoristas e entregadores arma uma bomba-relógio previdenciária (o sistema de MEI é importante, mas ele gera um baita déficit). Isso sem contar que tem juiz que concede BPC para qualquer um que lhe disser “bom dia”, mesmo que não se enquadre nos critérios. Tem culpa do Executivo, mas tem do Legislativo, do Judiciário e dos ricos do setor privado.
Como sempre digo, o Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou entrando no mérito de como chegamos a essa situação, nem propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir. Mas é fundamental que a terceira classe conte com a garantia de um mínimo de dignidade e primeira classe pague passagem progressivamente proporcional à sua renda. E que na hora que a nave fizer águam, todos tenham que dar a mesma cota de sacrifício e ter direito aos botes salva-vidas.
Enquanto isso, seguimos parecidos como um navio remado por trabalhadores que, a qualquer sinal de tempestade, aumenta a frequência do estalar do chicote enquanto poupa meia dúzia de passageiros ricos. Ironicamente, uma parte dos remadores não questiona a exploração, mas rema sonhando feliz ao ver a imagem dos mais ricos glamourizando no Instagram.
noticia por : UOL