Em voto enfatizando a defesa da liberdade de expressão, o ministro André Mendonça fixou teses que funcionam como uma “vacina” contra Alexandre de Moraes, durante o julgamento no STF dos dois recursos extraordinários que podem levar a mudanças no artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Mendonça defende tornar inconstitucional remover ou bloquear perfis de usuários em redes sociais, a não ser quando forem comprovadamente falsos —ou seja, quando se tratar de uma pessoa se passando por outra ou um perfil robô ou inautêntico.
O bloqueio de perfis em redes sociais é a maior crítica de bolsonaristas ao ministro Alexandre de Moraes, que determinou a suspensão de inúmeras contas desde a campanha eleitoral de 2022. Muitas das contas eram acusadas de violar a lei do Estado Democrático de Direito ao incitar golpe de Estado para reverter o resultado da eleição presidencial. Em seu voto, Mendonça encampou a tese de que “a supressão de perfis caracteriza hipótese de censura prévia”.
Uma ordem de suspensão de perfil —do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos— está no cerne da ação movida pelo Rumble e pela empresa de mídia do presidente Donald Trump contra o ministro do STF. O deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tem usado o caso para enfatizar sua acusação de que o ministro censura vozes conservadoras na internet. O secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou que há probabilidade de o governo americano impor sanções sobre Moraes por supostas violações à liberdade de expressão.
Outra tese defendida por Mendonça também mira Alexandre de Moraes. O ministro, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, afirma que uma decisão judicial determinando remoção de conteúdo deve “apresentar fundamentação específica” e, ainda que faça parte de processo judicial sigiloso, “deve ser acessível à plataforma responsável pelo seu cumprimento, facultada a possibilidade de impugnação”.
O X (antigo Twitter) protestou contra diversas ordens judiciais de Moraes para remoção de perfis e conteúdo, afirmando que não havia transparência sobre a motivação do pedido de retirada, além de contestar a obrigação de sigilo. O dono da plataforma, Elon Musk, determinou o não-cumprimento de algumas dessas ordens. Isso e o fato de a empresa não ter, à época, representante no Brasil foram as justificativas para o bloqueio da plataforma no Brasil por Moraes em agosto do ano passado.
Em janeiro, o fundador da Meta, Mark Zuckerberg, fez um vídeo em que acusava países latino-americanos de ter “tribunais secretos que determinam a empresas que, sem alarde, derrubem coisas (postagens)”.
No mesmo vídeo, Zuckerberg afirmava que iria trabalhar em conjunto com o presidente Donald Trump para reagir a governos ao redor do mundo, e citava a Europa como local onde a regulação da internet supostamente estaria institucionalizando a censura, para logo depois mencionar os tribunais latino-americanos.
Políticos de direita se queixam de discriminação contra conservadores, argumentando que há maior moderação desse tipo de conteúdo nas redes sociais.
Outro ponto do voto de Mendonça aborda exatamente essa questão: estabelece o “procedimento devido” em casos de remoção de conteúdo sem ordem judicial (por expressa determinação legal ou conforme previsto nos Termos e Condições de Uso das plataformas). Segundo Mendonça, é necessário que os usuários tenham acesso às motivações da decisão de remoção e possam recorrer.
Como esperado, Mendonça defendeu a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil, ao contrário de Luiz Fux e Dias Toffoli, que propuseram a derrubada do artigo para ampliar a responsabilidade das plataformas de internet.
As teses de Mendonça são música para os ouvidos das big techs —o ministro faz uma recomendação ao Legislativo e ao Executivo, para que a regulação em discussão no Congresso se restrinja à autorregulação regulada, regime muito mais brando do que o proposto por Toffoli.
Parte do Ato de Serviços Digitais em vigor na UE pode ser interpretada como autorregulação regulada —em relatórios sobre risco sistêmico, as plataformas estabelecem suas obrigações para mitigar esses perigos, no chamado “dever de cuidado”, e órgãos do governo supervisionam o cumprimento dessa autorregulação.
noticia por : UOL