Abençoado

Caro leitor,

A primeira carta do ano é sempre a mais difícil. Vou falar sobre o quê? Sobre as minhas férias? Se bem que houve quem acreditasse que realmente viajei para Bora Bora e talvez isso rendesse uma boa conversa sobre verdade e mentira, humor e ruídos próprios de uma era incoerente, na qual ceticismo e credulidade convivem normalmente – e sobretudo a respeito da boa sensação de intimidade entre quem escreve e lê.

Mas não. Vou deixar as lembranças fictícias de Bora Bora para outro dia e começar o ano expondo, esclarecendo e corrigindo um fato que me incomoda já há alguns anos. Talvez você considere algo tolo e indigno de ocupar espaço neste periódico. Mas para mim é importante começar o ano dizendo para quem quiser ouvir: sou abençoado. Muito abençoado. E você também é.

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Digo isso porque há alguns anos, se não me engano em 2016, quando estava voltando a escrever depois de um longo hiato, me compus um texto intitulado “Graças e Desgraças”. Na época, e por caminhos que não vale a pena revisitar aqui, a crônica foi publicada numa revista regional e provavelmente em algum site obscuro.

Pelo que me lembro, o texto não era nada sutil. Escrito num momento de tristeza e descrença, ele fala na teoria gnóstica do “exílio de Deus” e destrincha a palavra “desgraçado” para chegar à conclusão de que o eu-lírico é exatamente isto: alguém imune à Graça de Deus.

Olha só que absurdo!
Olha só que ingratidão!
Olha só que burrice!
Olha só que cegueira!

O texto teria sido apenas mais uma bobagem que escrevi naqueles anos de breu, não fosse por um detalhe. Dois ou três anos mais tarde, recebi o e-mail do organizador de uma coletânea pedindo permissão para incluir o “Graças e Desgraças” num livro que pretendia reunir os melhores cronistas do Paraná. Lisonjeado e envaidecido, dei permissão.

Nunca me saiu da cabeça, porém, a coincidência macabra daquilo tudo. Meu único texto minimamente reconhecido pela bolha literária foi uma crônica de auto-ódio, ateia, niilista e profunda e estupidamente ingrata. Insuportavelmente ingrata. Produto de uma mente perdida num emaranhado de orgulho. Escrita por um autor que não reconheço mais. Graças a Deus!

Por isso achei por bem começar o ano, primeiro, pedindo desculpas por ter escrito aquela excrescência certamente inspirada por forças maléficas. Depois, deixando bem claro que sou abençoado. Sempre fui abençoado. E, mesmo que eu não fosse capaz de entender isso à época, também aquele período de tristeza e solidão extremas foi uma bênção.

Sou abençoado sobretudo por me saber filho de Deus. Um filho que Ele jamais abandonou, apesar das minhas sórdidas ofensas. E apesar da abjeta ingratidão contida em textos como aquele do desgraçado que definitivamente não sou. Não sou. Não sou e você também não é.

Um abraço do
Paulo

noticia por : Gazeta do Povo

31 de janeiro de 2025 18:47

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