Caso Luighi: entenda o que diz a lei do Paraguai sobre racismo


Torcedor do Cerro Porteño imitou macaco para o jogador sub-20 do Palmeiras, que também levou uma cusparada, em jogo na quinta-feira (6). Paraguai tem lei para punir racismo, mas advogados acham difícil que agressor seja punido. ‘Nossa lei é mais branda e de alcance mais limitado’, afirma uma delas. Caso Luighi: jogador palmeirense vítima de racismo fala ao Fantástico
O Paraguai, onde o jogador Luighi, do time sub-20 do Palmeiras, foi hostilizado durante uma partida contra o Cerro Porteño, na quinta-feira (6), possui desde 2022 uma lei que pune atos racistas. Mas advogados avaliam que é difícil que ela resulte em punição ao agressor.
🟢O que aconteceu: durante a partida, um torcedor com uma criança no colo imitou um macaco em direção a Luighi, que deixou o campo chorando. Ele também sofreu uma cusparada enquanto se dirigia ao banco de reservas, reclamou que foi alvo de ofensas racistas ao sair e alertou o árbitro que foi chamado de “macaco”: “O que fizeram comigo foi um crime”, disse, após a partida.
➡️A lei paraguaia prevê multas de até R$ 7,8 mil para quem comete “atos discriminatórios e racistas”. O texto não prevê prisão, como acontece no Brasil.
➡️Além disso, há dúvidas sobre se a legislação do país vizinho poderia ser aplicada ao caso Luighi, porque o jogador não mora no Paraguai. Um dos artigos da lei prevê a proteção da “população afrodescendente paraguaia” e “afrodescendentes residentes no território” paraguaio. (saiba mais abaixo).
O g1 procurou por e-mail, no domingo (8), o Ministério Público do Paraguai para saber se recebeu alguma queixa formal sobre o caso Luighi e se alguma medida foi tomada a partir disso.
ASSISTA: Caso Luighi: jogador palmeirense vítima de racismo fala ao Fantástico
O que diz a lei sobre racismo no Paraguai
No Paraguai, a lei que pune os atos de racismo é recente. Ela foi publicada em 2022 e regulamentada em novembro de 2024, conta o advogado constitucionalista Hugo Estigarribia, ex-senador do Paraguai e sócio-fundador do escritório Estigarribia & Asociados.
Estigarribia pontua que a Constituição do Paraguai, de 1992, já previa igualdade perante a lei. “A Constituição paraguaia estabelece que, aqui, não se admitem discriminações”.
Segundo ele, a Constituição, somada à lei e à sua regulamentação, dão ao Paraguai “um arcabouço jurídico completo” para punir casos de racismo.
A lei nº 6.940/2022 considera atos discriminatórios e racistas:
a: Obstruir, restringir, enfraquecer, impedir ou anular de forma arbitrária e ilegal o exercício de direitos individuais e coletivos de pessoas de ascendência africana, alegando motivos raciais ou étnicos.
b: Disseminar por qualquer meio ideias baseadas em superioridade racial ou ódio, ou que promovam e/ou justifiquem o racismo ou formas de discriminação étnica; incitar a violência ou a perseguição de pessoas de ascendência africana, com base em motivos racistas ou discriminatórios.
c: Participar de uma organização ou associação que promova e/ou justifique o racismo ou a discriminação, ou incite o ódio, a violência ou a perseguição de pessoas de ascendência africana, com base em motivos racistas ou discriminatórios.
E a pena para o delito é uma multa que vai de 50 a 100 salários mínimos diários, que pode ser dobrada em caso de reincidência.
O salário mínimo diário paraguaio está, atualmente, em 107.627 guaranis, o que equivale a R$ 78,27. A multa máxima aplicada, portanto, para um ato racista, seria equivalente a no máximo R$ 7.827, em valores atuais.
O caso Luighi pode ser enquadrado na lei?
Estigarribia afirma que as ofensas dirigidas ao jogador se enquadram no inciso b da lei paraguaia, onde se “menciona a divulgação de ideias baseadas na superioridade ou no ódio racial”, ou que “promovam o racismo”, “incitem a violência” e a “perseguição de pessoas afrodescendentes”.
Para ele, o torcedor pode ser punido considerando essa parte da lei.
O que gera dúvidas, em sua visão, é o artigo 2º da legislação, que diz o seguinte: “A presente lei tem como finalidade reconhecer, valorizar e dignificar a população afrodescendente paraguaia e as pessoas afrodescendentes que vivem dentro do território nacional.”
“É preciso ver como essa lei se aplicaria, porque ela fala de um registro de afrodescendentes, no qual, com certeza, não está incluso um jogador de futebol [de outro país], que vem apenas para jogar uma partida. Tem que analisar um pouco mais, estudar os detalhes”, ressalta.
Já para o advogado Julio Scarone, a punição das pessoas que ofenderam Luighi pode esbarrar em alguns entraves. “O problema é que a lei não fala de atos, mas sim de ideias”, ele diz, referindo ao inciso b.
“E então temos que nos perguntar se o gesto feito por essa pessoa pode ser qualificado como uma ideia racista”, afirma Scarone. “E quando falamos de leis punitivas, o entendimento deve ser restritivo [em benefício do réu], e não extensivo [em detrimento ao réu], como em aspectos disciplinares no âmbito desportivo, por exemplo.”
“Portanto, acredito que seja muito difícil que essa pessoa que fez um gesto ou proferiu palavras seja punida no âmbito dessa lei”, diz o advogado.
A também advogada Karen Loreiro, da Loreiro Associados, tem avaliação semelhante.
“Lamentavelmente, não vejo como vincular a atitude que o torcedor teve em relação ao jogador como algum desses atos discriminatórios tipificados [na lei]”, avalia. “Nossa lei é mais branda e de alcance mais limitado [que a brasileira].”
Karen afirma que, como a população negra no Paraguai não é tão grande como no Brasil, ataques como o sofrido por Luighi não são tão comuns.
“Nosso problema interno está mais relacionado com os indígenas. Essa população, sim, tem uma proteção maior no nosso ordenamento jurídico”
Karen e Scarone afirmam que a pessoa vítima de uma ofensa de cunho racista pode buscar que o agressor seja penalizado pelo delito de injúria, que também é punido com multa.
Crime de racismo no Brasil
No Brasil, em janeiro de 2023, uma lei assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva equipara o crime de injúria racial ao de racismo.
O crime de injúria racial é quando a ofensa atinge a dignidade de uma pessoa por sua raça, cor e etnia. Quase sempre está associado ao uso de palavras depreciativas com a intenção de ofender a honra da vítima. Já o crime de racismo acontece quando a ofensa discriminatória é contra um grupo ou coletividade, por causa da raça ou pela cor. Como, por exemplo, impedir que negros tenham acesso a um estabelecimento.
Antes da lei, a pena para injúria racial era de reclusão de um a três anos e multa. Com a nova redação, a punição passa a ser prisão de dois a cinco anos. A pena será dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas.
Ainda segundo o texto vigente, o crime de racismo realizado dentro dos estádios terá também pena de dois a cinco anos. Isso valerá no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais.
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Fonte: G1

10 de março de 2025 18:37

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