Mais de 99% do ouro existente no mundo está enterrado a quase 3.000 quilômetros de profundidade, onde as temperaturas superam os 5.000°C. A estimativa consta de um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Göttingen, na Alemanha, publicado no último dia 21 na revista Nature.
Se toda essa riqueza estivesse acessível –e não trancafiada no núcleo metálico da Terra–, haveria ouro suficiente para cobrir a superfície do planeta com uma camada de 50 centímetros de espessura.
Os pesquisadores, contudo, fizeram outra revelação surpreendente: parte dessa reserva está escapando lentamente e chegando à superfície.
“Quando chegamos aos primeiros resultados, percebemos que tínhamos literalmente encontrado ouro”, afirmou o geoquímico Nils Messling, que liderou o estudo. Sua equipe descobriu que o material do núcleo da Terra, “incluindo ouro e outros metais preciosos”, está se infiltrando no manto da Terra e acaba chegando à superfície por meio do magma vulcânico.
Rutênio-100: chave para a descoberta
A descoberta foi feita com base na análise de rochas vulcânicas das ilhas havaianas, onde os pesquisadores detectaram concentrações excepcionalmente altas de rutênio-100, um isótopo raro desse metal precioso que é mais abundante no núcleo da Terra do que no manto rochoso (camada entre o núcleo e a crosta terrestre). Isótopos são versões do mesmo tipo de átomo, com a mesma quantidade de prótons (o que define um elemento químico), mas com uma quantidade diferente de nêutrons.
A diferença entre o rutênio situado no núcleo e no manto é tão minúscula que até agora era impossível detectá-la. No entanto, a equipe de Göttingen desenvolveu novas técnicas de análise isotópica altamente precisas que lhes permitiram comparar os dois tipos.
A diferença sutil no rutênio-100 das lavas havaianas só poderia significar uma coisa, concluíram os pesquisadores: essas rochas se originaram na fronteira entre o núcleo e o manto da Terra, a uma profundidade de mais de 2.900 quilômetros.
Esse fenômeno tem suas raízes na própria formação do nosso planeta. Há cerca de 4,5 bilhões de anos, durante o que é conhecido como a “catástrofe do ferro”, os elementos mais pesados afundaram para o interior derretido da jovem Terra, ficando presos no núcleo já diferenciado, conforme explica a publicação Science Alert. Posteriormente, o bombardeio de meteoritos trouxe mais ouro e metais pesados para a crosta terrestre.
Até o momento, pesquisas já haviam confirmado que alguns gases, como o hélio primordial (um dos elementos mais antigos do Universo), poderiam vazar do núcleo, mas não havia evidências se o mesmo ocorria com metais pesados. O que esse estudo mostra, de acordo com os autores, é que todos os elementos siderófilos –que migraram para o núcleo quando a Terra era jovem e totalmente fundida– estão vazando. Isso inclui não apenas o rutênio e o ouro, mas também o paládio, o ródio e a platina.
“Agora também podemos mostrar que grandes volumes de material superaquecido do manto –várias centenas de quatrilhões de toneladas métricas de rocha– se originam na fronteira entre o núcleo e o manto e sobem para a superfície da Terra para formar ilhas oceânicas como o Havaí”, explicou o professor Matthias Willbold, coautor do estudo, no comunicado da Universidade de Göttingen.
Embora não seja possível escavar os 2.900 quilômetros necessários para chegar ao núcleo terrestre, e o processo de vazamento ocorra a uma velocidade que não permite a exploração comercial dessas riquezas minerais, a recente descoberta muda a compreensão dos fundamentos do planeta.
“Nossas descobertas não apenas mostram que o núcleo da Terra não é tão isolado como se supunha anteriormente”, disse Willbold. Segundo o cientista, o achado também sugere que ao menos alguns dos metais preciosos usados em setores como o de energia renovável podem ter vindo originalmente do núcleo da Terra.
Com isso, a pesquisa levanta novas questões: será que esses processos também aconteceram no passado? E de que forma eles ajudaram a moldar o funcionamento interno do nosso planeta?
“Nossas descobertas abrem uma perspectiva totalmente nova sobre a evolução da dinâmica interna do nosso planeta”, afirmou Messling.
noticia por : UOL